Orquestras, metonímia de Governos

27/10/2010 at 23:53

O Aécio Neves da batuta orquestral erudita.

É sabido o quanto critico a tempos tanto o que a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP) se tornou sem John Neschling (mediocre e colonialista), quanto os defeitos que tinha sob sua gestão (orquestra tensa, sem interpretação própria senão a imposta por ele, autocraticamente) apesar das inúmeras qualidades (rigor orquestral primeiro-mundista sem subalternidade, formando e resgatando um repertório propriamente brasileiro, vinculado a outras orquestras do país – Bahia, Mato Grosso do Sul – e da América Latina – Simon Bolívar).

Estas observações se acirraram desde que em setembro último assisti as duas orquestras nacionais que hoje fazem frente ao que a OSESP era e é: a Filarmônica de Minas Gerais, sob a batuta do magistral e discreto Fábio Mechetti, e a Orquestra Nacional de Óperas, excelente prêmio-de-consolação que Neschling ganhou do Governo Federal ao ser chutado da Sala São Paulo pela dupla de proto-talibãs Fernando Henrique Cardoso e José Serra.

É sabido também que a OSESP, nascendo estatal pelas mãos do Governador André DiFranco Montoro há 30 anos, sob encargo de ninguém menos que o maestro Eliezer de Carvalho, fortaleceu-se no Governo Mário Covas com a ascensão de John Neschling e a construção da Sala São Paulo Estação Júlio Prestes (numa das áreas urbanas, reconheça-se, mais belas das Américas: o Parque da Luz, na capital paulista). Covas tomou a medida de “publicizar” a OSESP: deixaria de ser estatal, continuando a ser pública dirigida por Organização Civil de Interesse Público (OCIP).

Para além da discussão de se isso foi ou não uma “privataria tucana”, o modelo é bem-sucedido. Hugo Chavez fez isso com o El Sistema, e na Bahia o Núcleo de Orquestras Juvenis e Infantis (Neojibá) é assim e a Sinfônica do Estado (OSBA) caminha para a mesma direção.

Este tipo de decisão coloca a pergunta: devem as Sinfônicas serem estatais? Assim elas o são desde o advento do Estado Moderno Burguês, há quase 200 anos; e o eram antes, na Idade Clássica, ligada a palácios (Mozart serviu na corte de Leopoldo II; Bach era capelão imperial da Saxônia). A resposta talvez seja: “Não” ou “Não mais” ou “Não apenas”. Mas nisso, a OSESP que poderia ter sido o melhor exemplo, é o pior!

Sua publicização (ou privatização, se assim quiserem) abre brecha para a arbitrariedade de José Serra – isto é: para o reinado dos medíocres, como Ian Pascale Tortelier. Tem como ser diferente? Sim, e tanto Aécio Neves quanto o Ministro Juca Ferreira o provam.

Minas Gerais abdicou de ter uma Sinfônica do Estado, num governo relativamente estatizante (fortaleceu a CEMIG…) como o de Aécio. Estatizante, mas que soube ser indutor e fomentar o capital privado inclusive em sua atuação social. É assim que a Filarmônica de Minas tem todas as qualidades da OSESP de Neschling, sem ter seus defeitos: um maestro genial, mas que investe em formação de novos músicos e em programas sociais (Neschling nunca deu muita bola para a excelente Sinfônica de Heliópolis – Orquestra Baccareli); com músicos do mundo inteiro, bem pagos, mas sem a tensão do emprego privado da “demissão a qualquer tempo”. É claro que há programas de renúncia fiscal do Estado de Minas para garantir isso – mas o investimento e a gestão são largamente privados, sem no entanto visar o lucro.

Da parte do Governo Federal, antes de tratarmos do Barbeiro de Sevilha de Neschling, há a Petrobrás Sinfônica. É estatal? Sim, se se pensar que é ligada a uma empresa estatal; não se se pensar que é ligada a uma empresa – e de capital misto. Pública, sem dúvida. Cujo objetivo é a formação de platéia e músicos, em seus ensaios na boate Fundição Progresso da Lapa carioca, ou nos concertos em Igrejas do Rio de Janeiro onde incentivam que o público filme, pirateie e distribua no Youtube. Na batuta, outro mestre: Isaac Karabitchevisky.

Na Orquestra Nacional de Óperas, Neschling nem parece o severo impositor da OSESP: a sinfônica tocava leve, brincante como os bis do Neojibá. O próprio formato escolhido para a ópera, em desenho animado, deselitizava totalmente o acesso. Como alguém muda tanto de estilo, e para melhor, em tão pouco tempo?!

A resposta, leitor, está no título deste post. Orquestras são metonímias de seus governos, mesmo quando são orquestras privadas (e aí, Jaques Wagner deita e rola: de um estado que tinha duas sinfônicas mequetrefes, OSBA e OSUFBA, tem hoje quase uma dúzia de orquestras, premiadas e reconhecidas e interagindo entre si: da Rumpilezz a Afro-Sinfônica e a Pagode Sambone Orquestra. Liberdade e republicanismo gera essas coisas, né?). O Neschling tenso e tirânico da OSESP talvez fosse espelho de seu chefe – não de Covas, bonachão e já moribundo, nem de Alckmin, que não difere uma flauta de um violino, mas de José Serra, que não fez outra coisa que destruir diversos bons programas do Covismo (isto é: do melhor tucanato de São Paulo, seu próprio partido) desde que passou a deambular notivagamente pelos corredores do Mausoléu do Morumbi, o Palácio dos Bandeirantes.

Quando for a urna no domingo, lembre disso – e escolha que estilo orquestral você prefere para o maestro (ou maestrina – e eu prefiro, dada a qualidade que tem mostrado quando sobe ao púlpito central a jóvem flautista Ana Júlia Bittencourt, do Neojibá. Te cuida, Yuri Azevedo!) que vai reger a República pelos próximos quatro, talvez oito anos. De minha parte, não quero nem desafinação nem importacionismo evangélico.